quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

As mudanças na política externa em 2011: os novos Chanceler e Secretário Geral do Itamaraty.

Queridos,

Antes de mais nada, gostaria de desejar a todos um feliz ano novo! Que 2011 seja o ano da afluência, como me disse um professor e amigo, e que seja o ano das conquistas profissionais. Que seja o ano da realização do meu sonho e da minha meta de entrar finalmente no Itamarty.

Sei que fiquei ausente por uns tempos, mas foi preciso. Após um ano tão cansativo como o ano passado, precisei me retirar para Petrópolis por uma semana e, depois, fiz uma viagem com a família, para comemorar o Reveillon. Foi ótimo. Estou descansada, tranquila e cheia de ânimo para dar continuidade à minha caminhada.

2011 é, também, ano de grandes mudanças na política do nosso país. Não apenas pela posse presidencial de uma mulher, a primeira na história do país, mas também pela mudança da Chefia do Itamaraty: tanto em função da mudança do Chanceler, quando em função da mudança do Secretário Geral. Celso Amorim deu lugar a Antônio Patriota, que será o novo chanceler, ao passo que este deu lugar ao Embaixador Ruy Nogueira, que será o novo Secretário Geral.

Não sei se todos têm conhecimento sobre a diferença entre essas funções, e, por isso, vou explicar brevemente. O Chanceler é o mais alto cargo político da diplomacia. Ele é o chefe do Itamaraty e é quem dá as diretrizes políticas, porém sua nomeação é política e, para tal, não é preciso ser diplomata de carreira. O Secretário Geral também é cargo de igual importância, porém trata-se de um cargo majoritariamente administrativo. O SG é o chefe da casa e cuida de assuntos relativos à administração interna, ao funcionamento das divisões, departamentos e subsecretarias. O Secretário Geral sempre é um diplomata de carreira e, por isso, é o mais alto cargo que um diplomata pode chegar, sem que seja preciso possuir uma indicação presidencial para isso.

Assim como na gestão anterior, nessa nova gestão que agora se inicia, teremos um Chanceler e um SG que são, ambos, diplomatas de carreira. Apesar de mais jovem, Antônio Patriota já serviu em importantes postos, ao longo de sua carreira, como em Nova York, na delegação brasileira nas Nações Unidas, em Genebra e em Washington, onde serviu como Embaixador até ser chamado para a Secretaria Geral, em meados do ano passado. Ruy Nogueira é mais antigo na carreira e tem longo histórico de brilhante atuação em postos como Roma, Venezuela e Londres, além de ter atuado, até recentemente, como Subsecretário de Cooperação, Cultura e Promoção Comercial do Itamaraty.

A tendência do Itamaraty é permancer regido pelas mesmas linhas de autonomia pela diversificação que vinha seguindo até antes da mudança de governo; no entanto, espera-se do novo Chanceler uma renovação e modernização, baseadas sempre nas tradições de inserção internacional da política externa brasileira e em suas prioridades estratégicas internacionais.

Transcrevo, abaixo, o discurso do nosso novo Chanceler, Antônio Aguiar Patriota, por ocasião de sua posse, no dia 02 de janeiro último.

"Minhas primeiras palavras são de agradecimento à Senhora Presidenta da República pela honra com que me distingue ao nomear-me Ministro das Relações Exteriores.

Com entusiasmo antecipo a distinção de servir à primeira mulher a presidir o Brasil. A eleição de uma Presidenta é um acontecimento de importância intrínseca: é mais uma expressão concreta dos ideais de justiça, eqüidade e democracia que nos unem a todos como cidadãos brasileiros. Nossa Presidenta, Dilma Rousseff, representa honestidade intelectual, espírito público, destemor em face de desafios de qualquer tamanho, sensibilidade e humanismo. Para o Itamaraty, representa a certeza de que o Brasil continuará a afirmar-se como um interlocutor cada vez mais ouvido e respeitado no plano internacional.

Querido Embaixador Celso Amorim, meu Chefe por tantos anos – e sempre amigo. Vossa Excelência foi e seguirá sendo, para mim e para muitos de nós, fonte permanente de estímulo e inspiração. Foi na gestão de Vossa Excelência que o Brasil se consolidou, a um só tempo, como um país sul-americano convicto e um ator de influência mundial. Seu legado será referência incontornável em nossa História Diplomática. Faço votos de que, ao lado de nossa querida Ana Maria, seja muito feliz nesta nova etapa da vida. Ainda que de formas distintas, tenho certeza de que o Brasil continuará contando com a força de seu intelecto e sua coragem moral.

Para corresponder à confiança em mim depositada pela Presidenta Dilma Rousseff, dependerei de esforços coletivos, que envolverão necessariamente a valiosa colaboração e dedicação de todos os colegas: funcionários diplomáticos e administrativos, na Secretaria de Estado e nos Postos no exterior.

Aproveito esta cerimônia de transmissão de cargo para oficializar o convite ao Embaixador Ruy Nogueira para assumir a Secretaria-Geral das Relações Exteriores. Sua vasta experiência, seu profissionalismo, sua integridade pessoal serão particularmente apreciados neste momento em que enfrentamos uma agenda externa crescentemente ampla e complexa, e capacitamos o Itamaraty para defender os interesses de um novo Brasil.

Atuarei em estreita cooperação com o Secretário-Geral, com os Senhores Subsecretários e demais Chefias da Casa para levar adiante uma gestão inclusiva e integradora. Uma gestão que continue a valorizar a nossa principal vantagem comparativa, que são os recursos humanos, e que busque valer-se das novas tecnologias da informação para modernizar nossos métodos de trabalho.

Acredito que a escolha de um diplomata de carreira para o cargo de Ministro das Relações Exteriores pode ser interpretada como uma demonstração de respeito pelos quadros especializados deste Ministério e de reconhecimento por nosso compromisso com o Estado brasileiro – um Estado que se coloca cada vez mais a serviço da sociedade como um todo, e dos menos favorecidos em primeiro lugar.

Senhoras e Senhores, caros colegas,

Orientaremos a ação externa do Brasil preservando as conquistas dos últimos anos e construindo sobre a base sólida das realizações do Governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O Brasil mudou muito em relativamente pouco tempo. Em um ambiente de liberdade de expressão e participação crescente de setores antes excluídos no processo político, logrou-se conciliar crescimento econômico com distribuição de renda, em contexto de aprofundamento de nossa democracia. Foram obtidos avanços no respeito aos direitos humanos, na valorização da cidadania, na modernização da atividade econômica, na promoção de um desenvolvimento mais justo e ambientalmente sustentável.

Deixamos para trás o tempo em que um acúmulo de vulnerabilidades nos limitava o escopo de ação internacional. Não subestimamos o muito que ainda precisamos realizar para garantir a cada brasileiro e brasileira educação e saúde de qualidade, segurança e oportunidades dignas de trabalho. Mas adquirimos uma autoridade natural para nos engajarmos em todos os grandes debates e processos decisórios da agenda internacional – políticos, econômicos, comerciais, ambientais, sociais, culturais.

É possível afirmar que, entre os pólos que configuram a nova geopolítica deste início de século, o Brasil, com sua tradição de paz e tolerância, se posiciona como um ator que reúne características privilegiadas para a promoção de modelos mais inclusivos de desenvolvimento e para o fortalecimento da cooperação entre as nações por intermédio de mecanismos de governança mais representativos e legítimos.

Permaneceremos atentos para evitar que os círculos decisórios que se formam em torno das principais questões contemporâneas reproduzam as assimetrias do passado, ignorando as aspirações legítimas dos que não os integram. Os G-20s e outros agrupamentos restritos só conseguirão consolidar sua autoridade se permanecerem sensíveis aos anseios e interesses dos mais de 150 países que não se sentam em suas reuniões.

Precisamos nos preparar para uma demanda por mais Brasil em todos os temas da frente externa. Dispomos para isso de uma apreciável rede de Postos no exterior, cujo ritmo de expansão tenderá a desacelerar-se. Mas precisaremos continuar a formar quadros que nos garantam um nível de profundidade reflexiva autônoma e de eficácia operacional compatíveis com nosso perfil de ator global.

Devemos ter presente que, como a sétima economia do mundo, e havendo implementado um conjunto de políticas econômicas e sociais que têm produzido resultados tangíveis, o Brasil gera uma expectativa natural, em searas de cooperação as mais diversificadas, junto a países menos desenvolvidos – na América Latina e no Caribe, na África, no Oriente Médio e na Ásia. Nossa capacitação em termos de prestação de cooperação técnica, de assistência na adoção de políticas públicas bem sucedidas ou de ajuda humanitária – não obstante os avanços consideráveis dos últimos anos – precisará modernizar-se para atender a essa demanda.

Deparamo-nos hoje com um mundo em que os consensos de outras eras são cada vez mais questionados e os antigos formadores de opinião encontram dificuldade crescente para fazer prevalecer suas idéias. As aventuras militares e as práticas econômicas irresponsáveis que desestabilizaram a ordem internacional nos últimos anos exigem que cada participante do sistema assuma plenamente seu papel no tratamento de questões que afetam a todos indiscriminadamente. O Brasil não se furtará a defender interesses nacionais específicos e imediatos, mas tampouco deixará de afirmar sua identidade em função de objetivos sistêmicos amplos, vinculados a valores que nos definem como sociedade. Continuaremos a privilegiar o diálogo e a diplomacia como método de solução de tensões e controvérsias; a defender o respeito ao direito internacional, à não-intervenção e ao multilateralismo; a militar por um mundo livre de armas nucleares; a combater o preconceito, a discriminação e a arbitrariedade; e a rejeitar o recurso à coerção sem base nos compromissos que nos irmanam como comunidade internacional.

Um breve olhar sobre o mundo que nos envolve nos revelará o acerto das opções dos últimos anos na promoção de agendas de ordem sub-regional, regional e global que se complementam ao mesmo tempo em que se ampliam – o que não impede que busquemos adaptações e reconsideremos certas ênfases, em função de desdobramentos nos planos interno e externo.

Ancorados em nosso entorno sul-americano, teremos a nossa disposição um MERCOSUL robusto e uma UNASUL crescentemente coesa. Compete-nos completar a transformação da América do Sul em um espaço de integração humana, física, econômica, onde o diálogo e a concertação política se encarregam de preservar a paz e a democracia. Onde os elos que vimos estabelecendo entre nossas classes políticas, nossos setores privados e nossas sociedades contribuirão para uma região cada vez mais unida no propósito de oferecer melhores condições de vida a nossa gente.

Central nesse empreendimento é a relação Brasil-Argentina, que vive hoje um momento de plenitude e avança em um vasto espectro de iniciativas que incluem áreas como a cooperação em matéria espacial e dos usos pacíficos da energia nuclear. E cada vizinho na América do Sul receberá uma atenção crescentemente diferenciada. Caberá aos Governos trabalhar mais e melhor para cobrir as lacunas de conhecimento e interação que ainda caracterizam o relacionamento entre os países da região. Nosso destino comum exige que conheçamos melhor a História, a demografia, o potencial econômico e a cultura uns dos outros – da Terra do Fogo à Ilha de Margarita. Não se faz integração sem diálogo permanente, sem engajamento intelectual e até mesmo, diria eu, sem emoção e idealismo. É nessa direção que precisamos trabalhar.

Para além da América do Sul, o processo que teve origem na Cúpula América Latina e Caribe da Costa do Sauípe se consolida na Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos – a CELAC. Continuaremos engajados na pauta de cooperação com os países caribenhos, tendo como marco principal a Cúpula Brasil-CARICOM. Nosso compromisso com o Haiti, que enfrenta renovados desafios, insere-se nesse contexto.

A prioridade atribuída à vizinhança não se dará em detrimento de relações estreitas com outros quadrantes do Sul ou do mundo desenvolvido. Interessa-nos intensificar relações com uma pluralidade de parceiros nas esferas do comércio, dos investimentos, do diálogo político, entre muitas outras. Em um mundo no qual não se dissiparam ainda totalmente as dicotomias Norte-Sul, a ação diplomática do Brasil pode contribuir para a promoção de relações mais equilibradas em torno a interesses compartilhados. Nossos próprios imperativos de desenvolvimento econômico, social e tecnológico orientarão a busca de parcerias em uma variedade de temas, que incluirão a educação, a inovação, a energia, a agricultura, a produtividade industrial, a defesa; sem descuidarmos do meio ambiente, da promoção dos direitos humanos, da cultura, das questões migratórias.

Não enumerarei todas as parcerias estratégicas já estabelecidas, ou todos os mecanismos de aproximação inter-regional desenvolvidos nos últimos anos, sob a chefia do Embaixador Celso Amorim, que continuaremos a cultivar e aprimorar. Singularizo o IBAS, pelo seu valor emblemático como “mecanismo ponte” entre três grandes democracias multiétnicas do Sul. Acrescento que conversei com a Presidenta Dilma a respeito de um programa de viagens presidenciais para os próximos meses, que incluirá visitas aos países vizinhos e a alguns de nossos principais parceiros econômicos e comerciais, como Estados Unidos e China.

A Cúpula da ASPA, a realizar-se na capital peruana no próximo mês de fevereiro, constituirá uma valiosa oportunidade de contato da Presidenta com líderes da América do Sul e do mundo árabe. Comprometo-me ademais a manter uma agenda ativa com nossos parceiros na África – intensificando nossa cooperação e nosso diálogo com o continente irmão.

O comparecimento à posse da Presidenta Dilma de altos representantes de uma variedade de países, vários dos quais hoje aqui presentes – sejam de nossa região, da Europa, da África, do Oriente Médio ou do Extremo Oriente –, só pode ser visto como uma manifestação recíproca do interesse de Governos de todas as partes do mundo e de todos os níveis de desenvolvimento em fortalecer seus vínculos com o Brasil. Com relações diplomáticas que se estendem a virtualmente todos os países membros das Nações Unidas, o Brasil pode afirmar que pratica, hoje, uma diplomacia verdadeiramente universal.

Em paralelo à prioridade regional, à diversificação inclusiva de parcerias e ao aperfeiçoamento da governança global, não poderia deixar de mencionar a importância que continuaremos a atribuir às comunidades brasileiras no exterior. Seguiremos valorizando as atividades consulares e daremos continuidade a iniciativas pioneiras como a do Conselho de Representantes dos Brasileiros no Exterior.



A par dos progressos já alcançados, cumpre reconhecer que muito resta por realizar para que o Brasil se afirme como o País socialmente justo e democrático com que sonhamos; para que seu lugar no mundo reflita plenamente nossa vocação para o diálogo e a cooperação. Em última análise, esse será sempre um projeto inacabado, em que uma geração transfere para a seguinte as suas conquistas e as aspirações ainda não realizadas.

Surgirão desafios nas áreas econômica, financeira, comercial, ambiental que exigirão cuidadosa coordenação interna envolvendo diferentes setores do Governo e contatos com o setor privado, sindicatos, sociedade civil. A preocupação com a competitividade de nossa indústria e com a composição de nossa pauta exportadora requererá estratégias capazes de oferecer oportunidades para que conciliem interesses ofensivos e defensivos.

Manteremos contato com a presidência francesa do G-20 Financeiro e outros interlocutores, entre os quais os BRICS, para assegurar um ambiente propício à sustentabilidade da recuperação econômica e infenso a pressões protecionistas. Com o mesmo objetivo trabalharemos por resultados ambiciosos e equilibrados nas negociações da Rodada de Doha.

Senhoras e Senhores,

Comprometo-me a fazer o necessário para desenvolver uma comunicação abrangente com as diferentes Pastas do Executivo com as quais não podemos deixar de trabalhar em sintonia, como Justiça, Defesa, Indústria e Comércio, Fazenda, Direitos Humanos, Meio Ambiente, entre outras. O mesmo com relação ao Legislativo e ao Judiciário e, em sentido amplo, à sociedade civil, à comunidade empresarial, ao cidadão comum. Gostaria de ver o Itamaraty em contato com todos os Estados da Federação. Na verdade, a política externa serve a todas as esferas governamentais, e a todas as regiões do País. Por essa mesma razão, não devemos ser tímidos ao postularmos a alocação de recursos adequados para levarmos adiante nosso trabalho.

Importante também dizer que devemos à opinião pública, em cada circunstância específica, esclarecimentos sobre como encaramos o mundo e em que espírito interagimos com ele. Assim contribuiremos para o debate aberto e honesto que desejamos continuar promovendo sobre nossa política externa.

Senhoras e Senhores Embaixadores, caros colegas, amigo todos,

Temos diante de nós muito trabalho, em muitas frentes. Mas herdamos um País em excelentes condições econômicas e políticas; dispomos de uma Chancelaria que inspira respeito mundo afora; nos beneficiamos de um período de liderança particularmente inspirada e criativa. Sem minimizar os desafios do futuro, quero assegurar-lhes que dedicarei minha energia física e mental, o compromisso de uma vida inteira dedicada à diplomacia e alguma sabedoria e bom humor que terei adquirido no convívio com minha mulher, Tania, e com meus filhos, Miguel e Thomas, para contribuir para um Brasil, uma América do Sul e um mundo cada vez mais prósperos, justos e democráticos."
 
Que 2011 traga bons frutos a nossa política externa e ao novo caminho que agora se inicia. Este será certamente, um ano marcante para a política nacional. Nós estamos todos fazendo parte da história."

Bom, com esse discurso marcante do Chanceler Patriota, encerro meu primeiro post de 2011. Que 2011 seja o ano da afluência, da tradição, da renovação e, também, da integração.
Um beijos a todos. 
 
Luiza

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